terça-feira, 10 de junho de 2008

Di cavalcanti di glauber

Com o nome original de "Ninguém Assistiu ao Formidável Enterro de sua Última Quimera, Somente a Ingratidão, Essa Pantera, Foi Sua Companheira Inseparável", essa é a clássica homenagem de Glauber Rocha ao seu grande amigo Emiliano Di Cavalcanti. Premiado no festival de Cannes, o curta foi concebido a partir de gravações feitas durante o funeral do pintor. Em meio a gritos da família pedindo para Glauber ir embora, closes do rosto do morto e o som de ''Umbabarauma, Homem Gol' de Jorge Ben, o diretor cria um ritual alternativo de despedida, cheio de poética e irreverência. Contudo o que realmente deu ao filme o status de "cult", foi a sua exibição ter sido interditada pela justiça desde 1979, quando concedido o mandado de segurança impetrado pela filha adotiva do pintor, Elizabeth Di Cavalcanti alegando que Glauber havia desrespeitado o funeral e transformado aquele momento sagrado num grande carnaval.


A morte é um tema festivo pros mexicanos, e qualquer protestante essencialista como eu não a considera tragedya . . Em Terra em Transe o poeta Paulo Martins recitava que convivemos com a morte...etc... dentro dela a carne se devora - e o cangaceiro Corisco, em Deus e o Diabo na Terra do Sol, morre profetizando a ressurreição do sertão no mar que vira sertão que vira mar...
Matei muitos personagens? Eles morreram por conta própria, engendrados e sacrificados por suas próprias contradições: cada massacre dialético que enceno e monto se autodefine na síntese fílmica, e do expurgo sobram as metáforas vitais.
... Filmar meu amigo Di morto é um ato de humor modernista-surrealista que se permite entre artistas renascentes: Fênix/Di nunca morreu. No caso o filme é uma celebração que liberta o morto de sua hipócrita-trágica condição. A Festa, o Quarup - a ressurreição que transcende a burocracia do cemitério. Por que enterrar as pessoas com lágrimas e flores comerciais? Meu filme, cujo título, dado por Alex Viany, é Di-Glauber, expõe duas fases do ritual: o velório no Museu de Arte Moderna e o sepultamento no Cemitério São João Batista. É assim que sepultamos nossos mortos.
Chocado pela tristeza de um ato que deveria ser festivo em todos os casos (e sobretudo no caso de um gênio popular como Emiliano di Cavalcanti) projetei o Ritual Alternativo; Meu Funeral Poético, como Di gostaria que fosse, lui. . . o símbolo da Vida...
...
Celebrando Di recupero o seu cadáver, e o filme, que não é didático, contribui para perpetuar a mensagem do Grande Pintor e do Grande Pajé Tupan Ará, Babaraúna Ponta-de-Lança Africano, Glória da Raça Brazyleira!
A descoberta poética do final do século será a materialização da Eternidade."

Di (Das) Mortes, GlauberRocha - texto mimeografado, distribuído na sessão do filme em 11 de março de 1977 na Cinemateca do MAM. - Retirado do site tempoglauber.com.br

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